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Fundamentos Filosóficos
por Christhian Beschizza

           Esse texto ressalta a importância da filosofia enquanto estudo que permite profundidade discursiva, independência intelectual e clareza de propósito existencial. Esta precursora de todas as disciplinas consolidou-se na antiguidade grega como um modo racional de compreender o mundo além da postura mitológica, característica do pensamento pré-literado. A filosofia então surge como caminho para o conhecimento, além da reverberação ideológica de opiniões culturalmente herdadas sobre a vida e a realidade. Uma possível definição da filosofia é: “A decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido” (CHAUÍ, 1999). A seguir, introduzimos ao leitor cinco temáticas fundamentais no estudo da filosofia: epistemologia, ética, estética, metafísica, ontologia.

 

ATITUDE FILOSÓFICA

Procuramos desenvolver a intelectualidade isenta de ideologias, modismos e preconceitos, quetionando profundamente e criticamente sobre as causas, a essência, os modos e os fins. Buscamos pelo que é verdadeiro, belo e bom. Suspendendo nossas opiniões imediatas e crenças irrefletidas, interpretamos discursos filosóficos para capacitar nossa autonomia intelectual. A leitura é um hábito central para expandir nosso arcabouço de contemplação. A expansão dos limites de nossa conjectura é consequência da revisão das obras de pensadores que se consagraram na história da humanidade pela distinta inteligência, rigor, profundidade e fundamento. A filosofia busca a verdade através da reflexão crítica, através de um raciocínio íntegro e sem reducionismo. Reflexão crítica pode ser definida como “retornar o próprio pensamento, pensar o já pensado, voltar para si mesmo e colocar em questão o que já se conhece” (ARANHA; MARTINS, 1993).
Identificamos duas posturas possíveis no juízo de ideias: o dogmatismo (posse absoluta da verdade) e o ceticismo (impossibilidade de compreender). Trocando certezas por dúvidas, conforme sugerido por Descartes, procuramos desbanalizar o óbvio e desconstruir os fundamentos que sustentam nosso pensamento. Esclarecemos provisoriamente a razão, revelando-nos novas questões, que por sua vez, tocarão em maior profundidade a verdade. A verdade pode ser definida como a manifestação daquilo que existe de fato, além da aparência ilusória. A ilusão é consequência da irreflexiva pressa cognitiva na determinação e fundamentação de nossa existência. Sustentamos as ilusões por passividade frente à crendices e pelo condicionamento da ação e da fala. Enfim, a atitude filosófica não é definida por um método, é aquela que proporciona confiabilidade em nossa capacidade de conhecer. Mas o que é conhecimento?

FORMAS DE CONHECIMENTO

 

         A epistemologia é o ramo da filosofia que investiga a natureza da compreensão e a construção do conhecimento verdadeiro. Conhecimento é a relação estabelecida entre um ser senciente e objeto. Atualmente, as duas formas mais comuns do conhecimento humano são o senso comum e a ciência. O senso comum é um tipo superficial de conhecimento, baseado em uma crença que não é amparada na razão, mas através da intuição, que desconsidera os procedimentos que levam ao entendimento. A ciência, por outro lado, inspira-se na demonstração de raciocínio sistemático, mensurável e calculável, que observa empiricamente fatos e fenômenos universalmente objetivos.
Enquanto dogma, a ciência se apresenta como a única maneira de compreender e torna-se uma ideologia que exclui o entendimento informal intuitivo e sensitivo. São vários os objetos passíveis de compreender em profundidade, como o conhecimento de si mesmo, das relações interpessoais e dos sentimentos e emoções. Tais manifestações da realidade não podem ser entendidas através de um método unilateral, o que demonstra que a ciência não pode ser tomada como o árbitro final da verdade, mas que deve ser munida do discernimento da atitude filosófica e do aprofundamento epistemológico. A seguir, pensaremos no que é bom.

O BOM

 

No âmbito da ética, que é uma atitude filosófica acerca da moral, refletimos sobre o comportamento humano moralmente adequado e sobre os sistemas morais elaborados pelo homem em busca de virtudes. Platão apresenta a virtude e a sabedoria como contraposição ao vício e à ignorancia, sendo que a virtude é necessária para se alcançar o bem, e a filosofia é o caminho para a virtude. Aristóteles concebe a virtude como resultado do trabalho, da reflexão, da sabedoria, do controle racional dos desejos e das paixões. Com a propagação do credo monoteísta, a ética se desfarça pela fé e dogmas religiosos: o homem moral é aquele que teme e serve seu Deus criador e as bem-aventurança das instituições clericais. Já no iluminismo do século XVIII, a moral torna-se laica e secular, e o homem se propõe uma emancipação do autoritarismo doutrinário e de crenças sem conhecimento direto de causa, rumo a liberdade e autonomia individual.
No século XIX, dois influentes pensadores impactam as reflexões éticas com questionamentos inovadores. Nietzsche apresenta uma moral adversa à resignação, subjulgação e passividade da “falsa” moral grega e cristã, criticando seus valores servis de bondade, a humildade, a piedade e o amor ao próximo. Apresenta como alternativa, uma proposta de moral senhoril positiva que visa à conservação da vida e dos seus instintos fundamentais. Freud propõe a teoria do inconsciente, caracterizando o homem de acordo com pulsões e desejos, sexualidade, e agressividade além do controle e da determinação completa da ação pelo indivíduo. Com essa visão, sugere uma moral realista partindo da busca de educação, aceitação e sublimação dos desejos. Os valores morais do entusiasta literado, partindo do estudo de tais reflexões, são objetificados, questionados, e, por fim, amadurecem e tornam-se mais realistas e íntegros. Abaixo, refletimos sobre o papel da beleza na filosofia.

O BELO

 

       A estética preocupa-se com a arte, o gosto, o belo, a percepção e criação artística. A arte, como uma linguagem que vai além do pensamento discursivo visando a interpretação do mundo, pode ser concebida de três maneiras: como imitação da natureza, subordinada à realidade; como criação de novas perspectivas para expressar o sentimento humano; como construção entre o juízo reflexivo do homem com a natureza. Na concepção filosófica, a arte está próxima à verdadeira educação, a plenitude do conhecimento, a sensibilidade e a ética. Através da contemplação da obra de arte, passível de uma aura simultaneamente eterna e fugaz de transcendência, podemos vislumbrar e considerar o verdadeiro, o bem e o belo. Encerramos com considerações do que está além do mundano.

O SER

A metafísica se refere àquilo que está acima do mundo físico, trata da existência e a essência da realidade, as causas das coisas, investigando os fundamentos causais da existência e a razão de “ser” e suas distinções com “parecer”. A metafísica moderna, parte da teoria do conhecimento, é composta por três pontos de contemplação: a ideia de Deus, a ideia de sujeito (homem pensante) e a ideia de Natureza. No século XVIII, Hume e Kant demonstram que as estruturas racionais de pensamento não abrangem verdadeiramente o que está além do entendimento, ou seja, os conceitos fundamentais da metafísica: Deus, mundo, alma, matéria, forma, substância. Estas são associações abstratas contidas na mente, não entes reais e tangíveis em si mesmos.
A ontologia, como metafísica contemporânea, é o estudo dos entes, das coisas em sua mais profunda realidade. Descreve a relação entre o mundo e o homem, tem como objeto de estudo as formas e relações de existência, essência e consciência. O fenomenólogo Heideggar discriminou cinco classificações ônticas que perfazem nosso cotidiano: entes materiais naturais (pedra, animal), entes materiais artificiais (computador, celular), entes ideais (número, energia, psíquico), entes de valor qualitativo dualístico (bom, mal, verdadeiro, falso), entes metafísicos (divindade, infinito, absoluto).

TRANSCENDER

 

No século XX, Wittgeinstein aplica a lógica nas regras e limites da sintaxe discursiva, o próprio mecanismo que processa o pensamento filosófico, inaugurando assim a filosofia da linguagem. Sua filosofia proporciona um fundamento racional do silêncio sobre o que não pode ser dito, um caminho para o insight inefável. Através de sua profunda desconstrução sobre o material de onde se derivam as ideias, podemos encontrar um elo entre a filosofia ocidental e oriental.
Conforme torna-se gradualmente mais acessível à mente ocidental nos dias de hoje, outras civilizações baseadas em metafísicas diferentes das premissas monoteistas também desenvolveram profundas escolas de pensamento filosófico. As diversas tradições de reflexão orientais, predominantemente, tem como objeto de investigação o próprio processamento de construção de ideias, anterior à solidificação de sistemas racionais e definições discursivas, com menor ênfase nas ideias em si e um concentrado enfoque nas características do campo mental de onde surgem os pensamentos. A contemplação sobre a natureza da mente e a paz de consciência, preocupações orientais, pode ser pensada como uma atitude filosófica voltada para o estudo do silêncio, o ser no intervalo entre pensamentos, em plena ausência de linearidade narrativa.
Concluímos este texto introdutório com a sugestão que sua atitude filosófica em busca da verdade seja temperada com o estudo rigoroso e profundo do silêncio e o estudo de obras inteligentes e fundamentadas. Desta forma, visamos o equilíbrio de uma mente serena, que tem espaço livre, e o discernimento de uma cognição educada e disciplinada, que expressa a sabedoria.

No conhecimento estão frente a frente a consciência e o objeto.

Conhecer é reproduzir em nosso pensamento a realidade.

Conhecimento é a posse deste pensamento que concorda com a realidade.

A concordância do pensamento com a realidade é a Verdade.

Johannes Hessen, Teoria do Conhecimento (1983)

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