Se pararmos para olhar o universo à distância, veremos que em seus primeiros momentos ele era bem simples, era um espaço cheio de matéria, algo sem caracteres ou características. Era o que na mitologia Hindu se chama de “Turiya” – palavra que descreve algo como “sem atributos”. Leva tempo para ocorrer uma transformação em reinos mais criativos. A pré-condição para a criatividade é o desequilíbrio, o que os matemáticos atualmente chamam de Caos. Através da vida do universo, à medida em que caíam as temperaturas, surgiam estruturas compostas cada vez mais complexas. A partir do estado de fecundidade criativa, manifestava-se mais criatividade. O universo é uma máquina de fazer arte, um motor para a produção de formas cada vez mais novas de se estar conectado, e da justaposição cada vez mais exótica de elementos díspares.
Cada artista é uma antena para o Outro Transcendental. Enquanto seguirmos com nossa própria história para dentro disso e criarmos confluências únicas de nossa singularidade e sua singularidade, nós criamos coletivamente uma flecha a partir da história, do tempo, talvez até a partir da matéria, a qual vai redimir a ideia de que os humanos são bons. Esta é a promessa da arte, e sua realização nunca esteve tão perto do momento presente.
KAMBÔ
ESTE TEXTO É UM RESUMO DA INVESTIGAÇÃO REALIZADA POR ROSA SANCHIS, FAMACÊUTICA.
Abrindo a investigação biomédica relativamente a uma grande variedade de patologias que poderão ser tratadas com o Kambô.
As secreções gelatinosas produzidas pelas glândulas da pele de muitas espécies da família das Anuras (em grego, sem cauda), contêm uma grande quantidade de compostos com actividade biológica, frequentemente em grandes concentrações. Estas secreções cutâneas venenosas são consideradas como fazendo parte do sistema imunitário inato da espécie, pois constituem o mecanismo de defesa destes vertebrados frente a qualquer infecção cutânea ou predador natural do seu habitat, sendo a secreção destes venenos considerada uma parte evolutiva da espécie. A secreção é produzida através da estimulação do sistema nervoso simpático da anura, como resposta a um dano tecidular, a uma ameaça de um predador ou a um stress sistémico. A maioria destas moléculas são polipéptidos bioactivos formados por cadeias entre 54-50 aminoácidos, que abrem novos campos na investigação biomédica relativamente a uma grande variedade de patologias.
Uma das secreções com maior concentração deste polipéptidos, é o denominado Kambó, ‘campu’, ‘sapo’ ou ‘vacina da selva’. Produzida por uma rã bicolor arbórea cujo nome taxonómico é ‘Phyllomedusa bicolor’ ou ‘rã macaco gigante’ que vive em algumas zonas da selva Amazónia, concretamente na Colômbia e na zona fronteiriça do Peru e Brasil.
‘Kambó’ ou ‘Sapo’ é considerado uma ‘medicina ancestral’ pelas tribos indígenas da região ocidental da Amazónia há mais de 2000 anos. No início do século passado, a grande seca na zona noroeste da América do Sul produziu uma migração de grandes massas de população das zonas selvagens ocidentais para trabalhar nas fábricas de caucho. Isto favoreceu o redescobrimento do ‘Kambó’, e a sua utilização por populações não indígenas, fora da cultura tribal nativa da selva. Os seus efeitos peculiares promoveram a curiosidade e o estudo cientifico tanto para caracterizar a sua composição como para determinar as suas propriedades bioactivas.
Os estudos sobre as tribos indígenas que utilizam o Kambó começaram nos anos trinta. Mas foi o antropólogo e periodista Peter Gorman, em 1980, quem documentou a sua experiência com o tratamento do Kambó no seu artigo ‘Making Magic’ e enviou amostras da secreção da phylomedusa bicolor às universidades ocidentais, interessando-se ao seu estudo e promovendo o registro das primeiras patentes dos péptidos bioactivos do Kambó.
O primeiro péptido bioactivo produzido por uma filomedusa foi descoberto em 1966, e, desde então, os descobrimentos destes biopéptidos cresceram de forma exponencial até ao momento actual. As investigações científicas do Kambó começaram em 1980, graças ao farmacólogo italiano Vittorio Erspamer, da Universidade de Roma. Foi nomeado várias vezes para o prémio Nobel e é considerado o primeiro cientifico a analisar o Kambó em laboratório, chegando à conclusão que o Kambó contem um ‘fantástico cocktail químico com potenciais aplicações médicas, sem igual em nenhum outro anfíbio’
O Kambó é administrado através de pequenas queimaduras na pele, desencadeando de forma imediata uma variedade de reacções químicas benéficas ao corpo humano. O Kambó tem a capacidade, à diferença de muitas outras substâncias naturais e farmacêuticas, de passar a barreira hematoencefalica e produzir os seus efeitos a nível cerebral também. As células humanas abrem-se às propriedades benéficas do Kambó, sendo diferente de muitas substâncias que são filtradas e eliminadas pelo sistema de defesa altamente inteligente do corpo humano. Dentro do cocktail químico encontramos péptidos que realizam tarefas semelhantes às das hormonas, sendo que outros proporcionam apoio a processos vitais (aprendizagem, memória, metabolismo de certos neurotransmissores), outros tem um potente efeito nos músculos gastrointestinais, secreções gástricas e pancreáticas, circulação sanguínea e na estimulação do cortex supra-renal e da glândula pituitária e sistema reprodutor. Outros pospõem um potente poder analgésico, outros são capazes de inibir o crescimento de células tumorais e também encontramos péptidos antimicrobianos, antifúngicos, antivirais e antipropozoarios. Esta última propriedade abre uma nova porta na luta contra as infecções bacterianas que criaram resistências aos antibióticos que existem no mercado, utilizando estes biopéptidos em modernas nanotecnologias.
Desde 1966, tem-se isolado, caracterizado e sintetizado muitos péptidos existentes na secreção do Kambó, e como testemunho das suas propriedades medicinais existem mais de 70 patentes de Kambó registradas no mundo farmacêutico, principalmente nos estados Unidos.
As principais famílias de péptidos bioactivos identificados na secreção de Kambó até ao momento incluem:
Filomedusinas – como as Taquicininas (que também actuam como neuropéptidos) – Produzem contracção ao nível da musculatura lisa e aumentam as secreções de todo o tracto gastrointestinal como as glândulas salivares, estômago, intestino delgado e grosso, pâncreas e vesicula biliar. São os principais responsáveis da purgação profunda que ocorre com a administração do Kambó.
Filoquininas e Flomedusinas – ambas potentes vasodilatadores, aumentam a permeabilidade da barreira hematoencefalica, quer para o seu próprio acesso como para o de outros péptidos activos. Dentro desta família pode-se encontrar as medusinas que também possuem propriedades antimicrobianas e antifúngicas.
Caeruleinas e Sauvaginas – são péptidos com cadeias de 40 aminoácidos como propriedades miotróficas sobre a musculatura lisa, produzindo uma contracção a nível do colon e do tracto urinário. Produzem uma descida da pressão arterial acompanhada de taquicardia. Estimulam o cortex supra-renal e glândula pituitária, contribuindo a uma maior percepção sensorial e aumento da resistência. Ambos possuem um grande poder analgésico, contribuem para o aumento da força física, da capacidade de enfrentar a dor física, do stress e a doença e diminuem os sintomas de fadiga. No campo médico esta família de péptidos contribui para melhorar a digestão e possui propriedade analgésicas nas cólicas renais, na dor derivada da insuficiência vascular periférica e dor tumoral.
Dermofinas e deltorfinas – são pequenos péptidos compostos por 7 aminoácidos. São agonistas selectivos dos receptores delta opiáceos, 4000 vezes mais potentes que a morfina e 40 mais potentes que as endorfinas endógenas.
Adrenoregulinas – descobertas nos anos 90 pela equipa de John Daly no Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos. A adenoregulina actua no corpo humano através dos receptores de adenosina, um componente fundamental em todo o combustível celular humano. Estes receptores podem oferecer um alvo para o tratamento da depressão acidente vascular cerebral e perda cognitiva, doenças como Alzheimer e Parkinson.
Péptidos antimicrobianos: Dermaseptinas incluido os adenoregulinas (33 aminoácidos), e plasticinas filoseptinas, fazem parte de uma família de péptidos antimicrobianos de largo espectro envolvidas na defesa da pele exposta das rãs contra a invasão microbiana. Estes são os primeiros péptidos de vertebrados que mostram efeitos letais contra fungos filamentosos responsáveis por infecções oportunistas graves que acompanham a síndrome de imunodeficiência e o uso de agentes imunossupressores. Também mostram efeitos letais contra um amplo espectro de bactérias tanto Gram+ com Gram-, fungos, leveduras e protozoários. Vários anos de pesquisa conduzida na Universidade de Paris têm mostrado que os peptídeos dermasseptina B2 e B3 são eficazes para eliminar certos tipos de células cancerígenas. A pesquisa da Universidade de Queens em Belfast, recentemente ganhou um prestigiado prémio pelo seu trabalho inovador com o cancro e Kambó. O seu mecanismo de acção é produzido por inibição de angiogénese das células tumorais, com citotoxicidade selectiva para estas células.
Bradicinina – como filoquininas e triptofilinas. Eles são péptidos com uma estrutura e propriedades semelhantes à da bradicinina humana. São importantes alvos de estudo científico pelo seu potencial hipotensor, pela produção de vasodilatação, contracção do músculo liso não vascular e por aumentarem a permeabilidade vascular, estando também relacionados com o mecanismo de dor inflamatória.
Bombesinas – estes péptidos estimulam a secreção de ácido clorídrico ao actuar nas células G do estômago, independentemente do pH do meio; também aumentam a secreção pancreática, actividade mioeléctrica intestinal e a contractilidade do músculo liso.
Ceruleínas – estimulam as secreções gástricas, biliares e pancreáticas e partes do músculo liso. Eles podem também ser utilizados no íleo paralítico e como uma ferramenta de diagnóstico na disfunção pancreática.
Triptofilinas – neuropeptídeos constituídos de 4 a 14 aminoácidos que estão a abrir novas perspectivas sobre o funcionamento do cérebro humano.
Estes biopeptídeos atraem um enorme interesse científico, sendo muitos deles sintetizados com sucesso em laboratório e patenteados, mas, até ao momento nenhuma destas moléculas foi utilizada na prática clínica. A pesquisa sobre os componentes do Kambó continua a evoluir no sentido de encontrar aplicações clínicas no mundo da medicina e farmacologia, e no estudo de novos mecanismos de acção da biologia humana.
Durante milhares de anos, as tribos da amazónia têm utilizado e beneficiado deste cocktail químico seguindo as suas tradições ancestrais, intuição e magia.