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Artigo resultante do trabalho como pesquisador voluntário (PIVIC) junto ao projeto "Música e historiografia: tendências e reflexões" com orientação do Prof. Dr. Silvano Fernandes Baia.

 

Este artigo pretende ilustrar historicamente o percurso do gênero musical funk carioca durante o século XX, demonstrando como transpassou a barreira da marginalidade e vem se tornando desde então uma polêmica à parte da cultura brasileira. A narrativa é conduzida apresentando ao leitor a perspectiva de personagens estreitamente ligados à cena e que vieram a escrever sobre o tema, partindo da pesquisa precursora sobre o baile funk de Hermano Vianna, passando pela nacionalização do funk de DJ Marlboro e sua documentação por Silvio Essinger e culminando no pensamento de diversos autores sobre a batalha pelo reconhecimento do gênero como cultura. Neste trajeto, questões como a criminalidade e a violência que circundam o funk também são evidenciadas. Além desta tentativa de construção de uma narrativa historiográfica, um capítulo é dedicado à classificação cronológica de teses acadêmicas que têm o funk carioca como temática, fornecendo um interessante panorama sobre o que se estuda dentro desse novo campo e servindo como um guia bibliográfico para pesquisadores de várias áreas do conhecimento que pretendem estudar o tema.

 

Link para a revista Horizonte Científico da Universidade Federal de Uberlândia

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RESUMO por Christhian Beschizza: VIANNA, Hermano. O Baile Funk carioca: festas e estilos de vida metropolitanos. Dissertação de Mestrado em Antropologia. Rio de Janeiro: UFRJ, 1987.

Segundo Vianna, o baile funk foi, e ainda é, uma festa organizada por equipes de som – grupos responsáveis pela música nos bailes – em clubes da região suburbana do Rio. Até a década de 1980, período que é abordado no trabalho de Vianna,  estes eventos eram realizados em um ginásio de esportes ou quadra de escola de samba. A partir de meados da década de 1990, expandem o território a céu aberto e passam a ocupar as ruas, fenômeno posterior ao texto em questão, que será abordado adiante. Estes bailes eram frequentados pela população de baixa renda em altíssimos números: segundo o levantamento de Vianna, 700 bailes funk aconteciam por fim de semana em 1987, reunindo no mínimo um milhão de jovens todos os sábados e domingos.

Para descobrirmos como o baile consolidou seu formato atual, é necessário analisarmos particularmente um evento do início da década de 1970: o “baile da pesada”, que surge, num primeiro momento, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Esses bailes eram festas organizadas pelo discotecário Ademir Lemos e pelo locutor de rádio Big Boy, inicialmente com repertório eclético, composto de rock progressivo e soul music.

Após a consolidação do baile, restrições administrativas ocorreram no clube em que acontecia o evento semanal, forçando os organizadores a transferirem sua festa aos clubes dos subúrbios, em um bairro diferente a cada semana. É nessa nova fase que o baile é difundido pelo Rio, conquistando um público de dançarinos que se tornaria fundamental para o desenvolvimento de outros bailes. Também é o momento que surgem as equipes de som, que se encarregam de organizar bailes mais precários influenciados pelo “baile da pesada”.

A transição para a supremacia do repertório soul aconteceu também nesse momento, como narrada por Maks Peu, discotecário das primeiras equipes de som: “o público que foi aderindo aos bailes era público que dançava, tinha coreografia de dança, então até o Big Boy foi sendo obrigado a botar aquelas músicas que mais marcavam.” (VIANNA, p.52)

Uma etapa importante na história do baile funk acontece por volta de 1973, quando os bailes das populares equipes de som Soul Grand Prix e Black Power passam a ter uma preocupação com a cultura negra, que logo após abrirá um grande espaço dos bailes na mídia.

A iniciativa dos bailes da época causou alvoroço na imprensa brasileira em 1976, quando são publicadas matérias sobre o título Black Rio, baseadas nessa valorização da cultura negra nos bailes (assim como era feito nos EUA pelo próprio movimento soul). As equipes abraçam essa ideologia e se tornam um movimento de formação da identidade negra.

Nessa situação, o Soul caminha de música para dança à ferramenta de superação do racismo, transformando o baile e sua proposta. Como consequência do espaço que tiveram na mídia, ainda em 1976, a indústria fonográfica desperta seu interesse pelas equipes de som. São lançados discos das equipes mais bem sucedidas do Rio. Também são produzidos artistas do movimento Black Rio com a proposta de criar um soul nacional.

Os artistas de soul nacional, à exceção de Tim Maia, foram fracassos de venda. A direção da indústria fonográfica deslocou-se então para outro estilo: o disco, veiculado pelo sucesso dos filmes de John Travolta. Essa febre da discoteca foi acompanhada pela maioria das equipes de som, sepultando a hegemonia do soul. Nesse período, os bailes se distanciaram da proposta Black Rio e da ideia de orgulho negro.

Após a moda do disco, o baile retorna a black music estadunidense. Surge nesse momento, em 1983, “aquilo que hoje é conhecido como charme, um funk mais “adulto”, melodioso, sem o peso do hip hop” (VIANNA, p.61), que conquista seu espaço nos bailes e nas rádios. Lentamente, os bailes tornam-se novamente populares. Em 1985, o “charme” dá espaço ao hip-hop, mas ainda tem continuidade em alguns bailes fiéis ao estilo.

No começo da década de 1980, o baile se separa da discotecagem dos discos de soul, momento em que surge a nacionalização da música da festa. Nessa época, os DJs tinham uma grande concorrência entre si quanto ao repertório de cada um. Um baile tinha suas músicas características, seus próprios sucessos que nenhuma outra equipe teria. Para que isso fosse possível, os discos que seriam tocados no baile eram buscados no exterior, e nesse caso, sob a influência cultural hegemônica estadunidense, eram buscados nos EUA. O método mais comum de fazer isso, num momento em que a ampla circulação de informações viabilizada pelas novas tecnologias ainda não estava estabelecida, era empregando alguém que viajaria para os EUA com o objetivo de trazer discos dos artistas que lá faziam sucesso.

Até então, os discos escolhidos eram de soul, mas depois do disco surge uma nova tendência nos EUA, o hip-hop. Um destino comum para o viajante que saía do Brasil para comprar discos era Miami, onde surgia uma vertente do hip-hop chamada Miami Bass. O hip-hop em geral foi marcado pelo surgimento da “drum machine‟ Roland TR-808, que permitia a criação de uma sonoridade característica do estilo. O Miami Bass se destaca pelo seu andamento rápido e pelo bumbo frenético‟, e também por um conteúdo lírico controverso, sexualmente explícito.

O Miami Bass passa a ser a influência principal do DJ, que incorpora as técnicas de sampling e de rap dos DJs dos EUA. Surgem agora os MCs, artistas que cantam ou fazem rap‟ com suas próprias letras em cima do sampling do DJ. Até então, era comum que o DJ, ocasionalmente, usasse o microfone para “puxar” algum refrão ou fazer algum comunicado, mas nessa nova relação, o MC é encarregado de todas as responsabilidades de manipulação do microfone, relacionando-se com o público de maneira mais íntima.

Com essa maior proximidade do público e do MC, que era muito mais rara em relação ao DJ, começa a surgir uma figura de “artista” do baile, e, por consequência, começam-se a produzir e registrar sua arte. A tentativa dos DJs e MCs cariocas de emular o Miami Bass, então, pode ser considerada a origem do funk carioca como prática musical. É onde a música estadunidense deixa de ser reproduzida e começa a ser interpretada pelos funkeiros.

Enfim, o livro é uma referência para todos aqueles que estudam a história do movimento funk, um testemunho das visitas de Hermano Vianna aos bailes da época. Atualmente, sua pesquisa é consagrada e o autor é tido como o precursor dos estudos acadêmicos sobre o funk carioca.

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