Se pararmos para olhar o universo à distância, veremos que em seus primeiros momentos ele era bem simples, era um espaço cheio de matéria, algo sem caracteres ou características. Era o que na mitologia Hindu se chama de “Turiya” – palavra que descreve algo como “sem atributos”. Leva tempo para ocorrer uma transformação em reinos mais criativos. A pré-condição para a criatividade é o desequilíbrio, o que os matemáticos atualmente chamam de Caos. Através da vida do universo, à medida em que caíam as temperaturas, surgiam estruturas compostas cada vez mais complexas. A partir do estado de fecundidade criativa, manifestava-se mais criatividade. O universo é uma máquina de fazer arte, um motor para a produção de formas cada vez mais novas de se estar conectado, e da justaposição cada vez mais exótica de elementos díspares.
Cada artista é uma antena para o Outro Transcendental. Enquanto seguirmos com nossa própria história para dentro disso e criarmos confluências únicas de nossa singularidade e sua singularidade, nós criamos coletivamente uma flecha a partir da história, do tempo, talvez até a partir da matéria, a qual vai redimir a ideia de que os humanos são bons. Esta é a promessa da arte, e sua realização nunca esteve tão perto do momento presente.
Carlos Castaneda
Um homem contemplando suas equações
disse que o universo teve um começo.
Existiu uma explosão, disse ele.
Um senhor estrondo, e nasceu o universo.
E o universo ainda está em expansão, disse ele.
Ele calculou até mesmo a duração de sua vida:
dez bilhões de revoluções da Terra ao redor do sol.
Todo o globo aplaudiu;
Acharam tais cálculos cientificamente certos.
Ninguém percebeu que, propondo um início para o universo,
o homem simplesmente refletiu a sintaxe de sua língua pátria;
uma sintaxe que exige começos, como um nascimento,
e desenvolvimento, como maturação,
e um final, como a morte, para a realização de qualquer evento.
O universo teve um início,
e está envelhecendo, garantiu-nos tal homem,
e ele irá morrer, já que tudo morre,
como ele mesmo morreu depois de confirmar matematicamente
a sintaxe de sua língua pátria.
O universo teve realmente um começo?
A teoria do “big-bang” é realmente correta?
Essas não são perguntas, embora pareçam ser.
A sintaxe que exige começo, desenvolvimento
e término para a descrição de fatos é realmente a única que existe?
Essa é a questão real.
Existem outras sintaxes.
Existe uma, por exemplo, que indica a variação
de intensidade como um fato.
Nessa sintaxe nada tem um começo ou um fim;
desse modo, o nascimento não é algo claro e definido,
mas um tipo específico de intensidade,
do mesmo modo que o amadurecimento e a morte.
Um homem que use tal sintaxe, contemplando suas equações, descobre que
calculou suficientes variações de intensidade
e pode então dizer com autoridade
que o universo não teve um início
e não terá um fim,
mas que ele sempre existiu, existe e existirá
através de intermináveis flutuações de intensidade.
Tal homem pode muito bem concluir que o próprio universo
é a carruagem da intensidade
e que é possível abordá-la
para viajar por caminhos que modificam-se incessantemente.
Ele irá descobrir tudo isso, e muito mais,
talvez sem nunca perceber
que está simplesmente confirmando
a sintaxe de sua língua pátria.
[2:35h] The Active Side Of Infinity
CITAÇÕES DE A Erva do Diabo
O poder está no tipo de conhecimento que se tem. De que adianta saber coisas inúteis? Elas não vão nos preparar para o encontro inevitável com o desconhecido.
Nada neste mundo é um presente. O que tiver de ser aprendido será aprendido da maneira mais dura.
Um homem vai para o conhecimento como vai para a guerra: bem desperto, com medo, com respeito e com uma segurança absoluta. Ir para o conhecimento ou para a guerra de qualquer outra maneira é um erro, e quem o cometer pode não viver para se arrepender.
Quando o homem preenche esses quatro requisitos — estar bem desperto, ter medo, respeito e segurança absoluta — , não há erros que ele tenha de explicar; nessas condições, seus atos perdem a qualidade desastrada dos atos de um tolo. Se um homem desses fracassar, ou sofrer uma derrota, terá perdido apenas uma batalha, e não haverá lamentos ou remorsos por causa disso.
Permanecer no próprio eu durante muito tempo produz uma fadiga terrível. Um homem nessa posição fica surdo e cego para tudo o mais. A própria fadiga o impede de ver as maravilhas que estão a sua volta.
Toda vez que um homem resolve aprender, ele tem de trabalhar tão duro quanto puder, e os limites do seu aprendizado são determinados por sua própria natureza.
Portanto, não há vantagem em falar sobre o conhecimento. O medo do conhecimento é natural; todos nós o experimentamos e não há nada que possamos fazer a respeito. Mas, por mais aterrador que seja o conhecimento, é mais terrível ainda pensar em um homem sem o conhecimento.
Há um mundo de felicidade onde não há diferença entre as coisas, porque não há ninguém lá para perguntar sobre a diferença. Mas esse não é o mundo dos homens.
Alguns homens têm a vaidade de acreditar que vivem em dois mundos, mas isso é apenas a sua vaidade. Só existe um único mundo para nós. Somos homens, e temos de seguir o mundo dos homens satisfeitos.
O homem tem quatro inimigos naturais: o medo, a clareza, o poder e a velhice. Medo, clareza e poder podem ser vencidos, mas a velhice não. Seus efeitos podem ser adiados, mas ela nunca pode ser vencida.
CITAÇÕES DE Uma Estranha Realidade
Um guerreiro sabe que é apenas um homem. Ele só lamenta que sua vida seja tão curta que ele não possa agarrar todas as coisas que gostaria. Mas, para ele, isso não é um problema: é só uma pena.
Sentir-se importante faz a pessoa tornar-se pesada, desajeitada e vaidosa. Para ser um guerreiro, é preciso ser leve e fluido.
Quando são vistos como campos de energia, os seres humanos aparecem como fibras de luz, como teias brancas de aranha, fios muito finos que circulam da cabeça aos pés. Assim, aos olhos do vidente, um homem parece um ovo de fibras circulantes. E seus braços e pernas são como espinhos luminosos que explodem em todas as direções.
O vidente vê que todos os homens estão em contato com tudo o mais, não por suas mãos, mas por meio de um punhado de fibras compridas que saem do centro de seu abdome. Essas fibras ligam o homem a seu ambiente; mantêm seu equilíbrio; dão-lhe estabilidade.
Quando um guerreiro aprende a ver, ele vê que um homem é um ovo luminoso, seja ele um mendigo ou um rei, e que não há jeito de modificar nada; ou melhor, o que poderia ser modificado naquele ovo luminoso? O quê?
Um guerreiro nunca pensa em seu medo. Em vez disso, pensa nas maravilhas de ver o fluxo da energia! O resto é enfeite, enfeite sem importância.
Só um doido empreenderia a tarefa de se tornar um homem de conhecimento por sua própria vontade. Um homem sensato tem de ser levado a isso. Há muitas pessoas que empreenderiam a tarefa de bom grado, mas essas não contam. Geralmente, são malucas. São como vasilhas que parecem boas por fora, mas que vazam no momento em que são pressionadas, no momento em que você as enche de
água.
Quando um homem não está preocupado em ver, as coisas parecem as mesmas toda vez que ele olha para o mundo. Quando ele aprende a ver, por outro lado, nada é a mesma coisa toda vez que você a vê, e contudo é a mesma. Ao olhar do vidente, o homem é como um ovo. Toda vez que ele vê o mesmo homem, vê um ovo luminoso, e no entanto não é o mesmo ovo.
Os xamãs do México antigo deram o nome de aliados para as forças inexplicáveis que agiam sobre eles. Eles as chamaram aliados porque pensaram que podiam utilizá-las a seu bel-prazer, uma noção que demonstrou ser quase fatal para aqueles xamãs, porque o que eles chamavam de aliado é um ser sem essência corporal que existe no universo. Os xamãs dos tempos modernos os chamam de seres
inorgânicos.
Perguntar que função os aliados têm é como perguntar o que nós, homens, fazemos no mundo. Estamos aqui, é só. E os aliados estão aqui, como nós; e talvez estivessem aqui antes de nós.
A maneira mais eficaz de se viver é como um guerreiro.
Um guerreiro pode se preocupar e pensar antes de tomar uma decisão, mas uma vez que a tomou, segue seu caminho, livre de preocupações ou pensamentos; haverá mil outras decisões ainda à sua espera. Esta é a maneira do guerreiro.
Um guerreiro pensa em sua morte quando as coisas se turvam. A idéia da morte é a única coisa que modera nosso espírito.
A morte está em toda parte. Pode ser as luzes de um carro, no topo de uma colina, a certa distância para trás. Ficam visíveis por um tempo e desaparecem na escuridão, como se tivessem sido arrastadas; apenas para reaparecerem no topo de outra colina e aí desaparecerem de novo.
Aquelas são as luzes na cabeça da morte. A morte as coloca assim, como um chapéu, e depois parte a galope, se aproximando de nós, se aproximando cada vez mais. Às vezes apaga suas luzes. Mas a morte nunca pára.
Um guerreiro tem de saber, antes de mais nada, que seus atos são inúteis e que, no entanto, ele tem de proceder como se não o soubesse. Esta é a loucura controlada de um xamã.
Os olhos de um homem podem desempenhar duas funções: uma é ver a energia enquanto flui no universo e a outra é "olhar as coisas neste mundo". Nenhuma dessas funções é melhor do que a outra; entretanto, treinar os olhos apenas para olhar é um desperdício desnecessário e lamentável.
Um guerreiro vive pelo agir, não por pensar em agir, nem por pensar no que ele vai pensar depois de acabar de agir.
Um guerreiro escolhe um caminho com coração, qualquer caminho com coração, e o segue; e então ele se regozija e ri. Ele sabe por que vê que sua vida estará terminada muito depressa. Ele vê que nada é mais importante do que qualquer outra coisa.
Um guerreiro não tem honra, nem dignidade, nem família, nem nome, nem país; ele tem apenas a vida para ser vivida e, nessas circunstâncias, sua única ligação com seus semelhantes é sua loucura controlada.
Como nada é mais importante do que qualquer outra coisa, um guerreiro escolhe qualquer ato e age como se lhe importasse. Sua loucura controlada o faz dizer que o que ele faz importa e o faz agir como se importasse, e contudo ele sabe que não é assim; de modo que, quando completa seus atos, ele se retira em paz e quer seus atos tenham sido bons ou maus, dado certo ou não, isso absolutamente não o preocupa mais.
Um guerreiro pode escolher permanecer totalmente impassível e nunca agir, e comportar-se como se ser impassível realmente lhe importasse; ele também estará certo agindo assim porque isso também seria a sua loucura controlada.
Não existe nada vazio na vida de um guerreiro. Tudo está cheio até a borda. Tudo está cheio até a borda, e tudo é igual.
O homem comum está demasiado preocupado em gostar das pessoas ou que elas gostem dele. Um guerreiro gosta, e pronto. Gosta do que ou de quem quiser, e dane-se o resto.
Um guerreiro se responsabiliza por seus atos, pelo mais trivial de seus atos. O homem comum age através de seus pensamentos, e nunca se responsabiliza pelo que faz. O homem comum é vitorioso ou derrotado e, dependendo disso, se torna um perseguidor ou uma vítima.
Essas duas condições prevalecem enquanto a pessoa não vê.
Ver desfaz a ilusão da vitória, ou da derrota, ou do sofrimento.
Um guerreiro sabe que está esperando e o que está esperando; e, enquanto espera, não deseja nada e assim a menor coisa que receba é mais do que ele pode tomar. Se precisa comer, dá um jeito, porque não está com fome; se alguma coisa machuca seu corpo, dá um jeito de parar aquilo, pois não sente. Ficar faminto ou com dor significa que o homem não é um guerreiro; e as forças de sua fome e de sua dor o
destruirão.
Negar a si próprio é uma indulgência. A indulgência de negar é de longe a pior; obriga-nos a crer que estamos fazendo grandes coisas, quando na verdade só estamos fixados em nós mesmos.
O intento não é um pensamento, ou um objeto, ou um desejo. O intento é o que pode fazer um homem vencer, quando todos os seus pensamentos lhe dizem que ele está derrotado.
Opera a despeito da indulgência do guerreiro. O intento é o que o torna invulnerável. O intento é o que envia o xamã através da parede, através do espaço, para o infinito.
Quando um homem entra no caminho dos guerreiros, fica consciente, aos poucos, de que a vida comum ficou para trás para sempre. Isso significa que o mundo comum não é mais um escudo para ele; e que ele deve adotar uma nova maneira de viver, para poder sobreviver.
Cada pedaço de conhecimento que se torna poder tem a morte como sua força central. A morte dá o último toque, e o que for tocado pela morte torna-se realmente poder.
Somente a idéia da morte torna o guerreiro suficientemente desprendido para ser capaz de se entregar a qualquer coisa. Ele sabe que a morte o espreita e não lhe dará tempo de se agarrar a nada, de modo que ele experimenta, sem ansiedade, tudo de todas as coisas.
Somos homens e nosso destino é aprender, e sermos lançados em novos mundos inconcebíveis. Um guerreiro que vê a energia sabe que não há limite para os novos mundos, para nossa visão.
"A morte é um turbilhão; a morte é uma nuvem brilhante no horizonte; a morte sou eu falando para você; a morte é você e seu bloco de notas; a morte é nada. Nada! Está aqui e contudo não está absolutamente aqui."
O espírito do guerreiro não está preparado para a indulgência ou a queixa, nem o está para ganhar ou perder. O espírito do guerreiro está preparado somente para a luta, e cada luta é a última batalha do guerreiro sobre a terra. O resultado importa pouco para ele. Em sua última batalha na terra um guerreiro deixa seu espírito fluir livre e claro.
Enquanto sustenta sua batalha, sabendo que seu intento é
impecável, um guerreiro ri e ri.
Falamos incessantemente a nós mesmos sobre nosso mundo. De fato, mantemos nosso mundo com nossa conversa interna. E sempre que terminamos de falar a nós mesmos sobre nós mesmos, o mundo continua sempre como devia. Nós o renovamos, o animamos com vida, o sustentamos com nossa conversa interna. Não apenas isso, também escolhemos nossos caminhos quando conversamos com nós mesmos. Assim repetimos as mesmas escolhas até o dia em que morremos, porque ficamos repetindo a mesma conversa interna sempre, até o dia em que morremos. Um guerreiro está consciente disso e se esforça para silenciar sua conversa interna.
O mundo é tudo o que está encerrado aqui: a vida, a morte, as pessoas, e tudo o mais que nos cerca. O mundo é incompreensível Nunca o compreenderemos; nunca desvendaremos seus segredos. Assim devemos tratar o mundo como ele é: um puro mistério.
As coisas que as pessoas fazem não podem, de jeito algum, ser mais importantes do que o mundo. E assim o guerreiro trata o mundo como um mistério sem fim e o que as pessoas fazem como uma loucura sem fim.
CITAÇÕES DE Viagem a Ixtlan
Nós não nos damos conta de que podemos cortar qualquer coisa de nossas vidas, a qualquer momento, num piscar de olhos.
Não há sentido em tirar fotografias ou fazer gravações. São atos supérfluos de vidas sedentárias. Devemos nos preocupar como espírito, que sempre se recolhe.
Um guerreiro não precisa de história pessoal. Um dia ele descobre que ela não é mais necessária para ele, e a abandona. A história pessoal tem de ser constantemente renovada, por se contar a pais, parentes e amigos tudo o que se faz. Por outro lado, se o guerreiro não tem história pessoal, não há necessidade de explicações; ninguém fica zangado ou desiludido com seus atos. E, acima de tudo, ninguém o prende mais com seus pensamentos e suas expectativas.
Quando nada é certo, permanecemos alertas, sempre atentos. E mais emocionante não saber por trás de qual arbusto o coelho está escondido do que se comportar como se soubéssemos de tudo.
Enquanto um homem acha que ele é a coisa mais importante no mundo, não pode apreciar de verdade o universo em volta de si. E como um cavalo com antolhos, só vê a si próprio separado de tudo o mais.
A morte é nossa eterna companheira. Está sempre à nossa esquerda, à distância de um braço atrás de nós. A morte é a única conselheira sábia que um guerreiro tem.
Toda vez que ele sente que tudo está errado e que ele está prestes a ser aniquilado, pode virar-se para sua morte e perguntar se é assim mesmo. A morte lhe dirá que ele está errado; que nada realmente importa, além do toque dela. Sua morte dirá a ele: "Ainda não o toquei."
Quando um guerreiro resolve fazer alguma coisa, ele deve ir até o fim, mas tem de assumir a responsabilidade por aquilo que faz. Não importa o que faz, primeiro ele tem de saber por que o faz e depois tem de prosseguir com seus atos sem ter dúvidas ou remorsos em relação a eles.
Em um mundo em que a morte é o caçador, não há tempo para remorsos ou dúvidas. Só há tempo para decisões. Não importa quais decisões. Nada pode ser mais ou menos sério do que qualquer outra coisa. Em um mundo em que a morte é o caçador, não há decisões pequenas ou grandes. Só há decisões que um guerreiro toma em face de sua morte inevitável.
Um guerreiro deve aprender a tornar-se disponível e não disponível, a cada curva da estrada. É inútil para um guerreiro estar tolamente disponível o tempo todo, como é inútil para ele se esconder quando todo mundo sabe que ele está se escondendo.
Para um guerreiro, estar inacessível significa que ele toca o mundo que o cerca com moderação. E, acima de tudo, significa que ele propositadamente evita esgotar a si mesmo e os outros. Ele não usa e espreme as pessoas até reduzi-las a nada, especialmente aquelas que ele ama.
Quando um homem se preocupa, agarra-se a qualquer coisa, em desespero; e quando se agarra está condenado a se esgotar ou a esgotar quem ou o que ele estiver se agarrando.
Um guerreiro-caçador, por outro lado, sabe que vai atrair a caça para suas armadilhas muitas e muitas vezes, e portanto não se preocupa. Preocupar-se é tornar-se acessível, acessível sem saber.
Um guerreiro-caçador trata intimamente com seu mundo e, no entanto, é inacessível a esse mesmo mundo. Ele o toca de leve, fica o tempo que precisa e depois vai adiante suavemente, quase sem deixar marcas.
Ser um guerreiro-caçador não é apenas apanhar a caça na armadilha. Um guerreiro-caçador não apanha a caça porque prepara armadilhas, ou porque conhece as rotinas de sua presa, mas porque ele próprio não tem rotinas. Esta é sua vantagem. Ele não é como os animais que persegue, fixados por rotinas pesadas e manias previsíveis; ele é livre, fluido, imprevisível.
Para o homem comum, o mundo é estranho porque, se não está entediado com ele, está com raiva dele. Para um guerreiro, o mundo é estranho porque é estupendo, assombroso, misterioso, insondável. Um guerreiro deve assumir a responsabilidade por estar aqui, neste mundo maravilhoso, nesse tempo maravilhoso.
Um guerreiro deve aprender a fazer todos seus atos contarem, já que ele vai ficar aqui neste mundo por muito pouco tempo; na verdade, um tempo demasiado curto para que ele possa presenciar todas as suas maravilhas.
Os atos têm poder. Especialmente quando a pessoa que age sabe que aqueles atos são sua última batalha. Há uma estranha felicidade em agir com o pleno conhecimento de que o que quer que ela esteja fazendo pode muito bem ser o seu último ato sobre a terra.
Um guerreiro deve focalizar sua atenção no elo entre ele e sua morte. Sem remorso nem tristeza nem preocupação, ele deve focalizar sua atenção no fato de que ele não tem tempo e deixar que seus atos fluam de acordo. Ele deve deixar que cada um de seus atos seja sua última batalha sobre a terra.
Só nessas condições é que seus atos terão o devido poder.
Senão eles serão, enquanto ele viver, os atos de um tolo.
Um guerreiro-caçador sabe que sua morte o está esperando e o próprio ato que ele está executando agora pode muito bem ser sua última batalha sobre a terra. Ele o chama de uma batalha porque é uma luta. A maioria das pessoas passa de um ato para outro sem qualquer luta ou pensamento. Um guerreiro-caçador, ao contrário, avalia cada ato; e como tem um conhecimento íntimo de sua morte, procede judiciosamente, como se cada ato fosse sua última batalha. Só um tolo deixaria de perceber a vantagem que um guerreiro-caçador leva sobre seus semelhantes. Um guerreiro-caçador dá à sua última batalha o devido respeito. É natural que seu último ato sobre a terra seja o melhor dele. E agradável assim. Amortece o seu medo.
Um guerreiro é um caçador imaculado que caça poder; não é bêbado nem doido, nem tem tempo ou disposição para fingir, ou mentir a si próprio, ou fazer um movimento errado. A questão é muito decisiva para isso. Ele está arriscando sua própria vida ordenada, que ele levou tanto tempo para ajustar e aperfeiçoar. Ele não vai jogar tudo isso fora cometendo um erro de cálculo tolo, tomando uma coisa por outra.
Um homem, qualquer homem, merece tudo o que está destinado ao homem — alegria, dor, tristeza e luta. A natureza de seus atos não tem importância, enquanto ele agir como um guerreiro.
Se o seu espírito está distorcido, ele deve simplesmente endireitá-lo — purificá-lo, torná-lo perfeito —, pois não há nenhum outro trabalho, em todas as nossas vidas, que valha mais a pena. Não endireitar o espírito é procurar a morte, e isso é o mesmo que não procurar nada, pois a morte nos apanhará, de qualquer maneira. Buscar a perfeição do espírito do guerreiro é a única tarefa digna de nosso tempo limitado e de nossa virilidade.
A coisa mais difícil deste mundo é adquirir a disposição de um guerreiro. Não adianta ficar triste, queixar-se e achar justificativa para isso, acreditando que alguém está sempre nos fazendo alguma coisa. Ninguém está fazendo nada a ninguém, muito menos a um guerreiro.
Um guerreiro é um caçador. Calcula tudo. Isso é controle. Mas, uma vez terminados seus cálculos, ele age.
Entrega-se. Isso é abandono. Um guerreiro não é uma folha à mercê do vento. Ninguém pode empurrá-lo; ninguém pode obrigá-lo a fazer coisas contra si mesmo ou contra o que ele acha certo. Um guerreiro é preparado para sobreviver, e ele sobrevive da melhor maneira possível.
Um guerreiro é apenas um homem. Um homem humilde. Ele não pode mudar os desígnios de sua morte. Mas seu espírito impecável, que armazenou poder depois de privações tremendas, certamente pode deter a sua morte por um momento, um momento suficientemente longo para deixá-lo regozijar-se pela última vez ao recordar seu poder.
Podemos dizer que é um gesto que a morte tem com aqueles que possuem um espírito impecável.
Não importa como se é criado. O que determina a maneira com que se faz qualquer coisa é o poder pessoal. Um homem é apenas a soma de seu poder pessoal, e essa soma determina como ele vive e como ele morre.
O poder pessoal é algo que se sente, algo como ter sorte. Pode-se chamá-lo uma disposição. O poder pessoal é alguma coisa que se adquire por meio de uma vida inteira de luta.
Um guerreiro age como se soubesse o que está fazendo quando, na verdade, não sabe nada.
Um guerreiro não tem remorsos por nada que tenha feito, porque isolar os atos de alguém como sendo mesquinhos, feios ou maus é dar uma importância indevida ao eu, o truque está naquilo a que se dá importância. Ou nos fazemos miseráveis, ou nos fazemos fortes. A quantidade de trabalho é a mesma.
As pessoas nos dizem, desde que nascemos, que o mundo é assim e assado, e naturalmente não temos escolha senão aceitar que o mundo é da maneira que as pessoas nos dizem que é.
A arte do guerreiro é equilibrar o terror de ser um homem com a maravilha de ser um homem.
CITAÇÕES DE Porta para o Infinito
A autoconfiança do guerreiro não é a autoconfiança do homem comum. O homem comum procura certeza nos olhos do observador e chama a isso autoconfiança. O guerreiro procura impecabilidade aos próprios olhos e chama a isso humildade. O homem comum está preso aos seus semelhantes, enquanto o guerreiro só está preso ao infinito.
Há muitas coisas que um guerreiro pode fazer, em determinado momento, que não poderia ter feito anos antes. Essas coisas não mudaram; o que mudou foi a idéia do guerreiro sobre si mesmo.
O único caminho possível que um guerreiro tem é agir com coerência e sem reservas. Chega um momento em que ele sabe o suficiente sobre o caminho do guerreiro para agir de acordo, mas seus velhos hábitos e rotinas podem obstruir seu caminho.
Se for para um guerreiro ser bem-sucedido em alguma coisa, esse sucesso deve vir com suavidade, com muito esforço, mas sem tensões nem obsessão.
O diálogo interno é o que prende as pessoas no mundo cotidiano. O mundo é assim e assado, desta ou daquela maneira, só porque dizemos a nós mesmos que ele é assim e assado, desta ou daquela maneira. A passagem para o mundo dos xamãs se abre depois que o guerreiro aprendeu a silenciar seu diálogo interno.
Mudar nossa idéia sobre o que é o mundo é o ponto crucial do xamanismo. E parar o diálogo interno é o único meio de conseguir isso. Quando o guerreiro aprende a parar o diálogo interno,
tudo se toma possível; as coisas mais difíceis podem ser
alcançadas.
Um guerreiro aceita seu destino, seja ele qual for, e o
aceita na mais total humildade. Aceita com humildade aquilo
que ele é, não como fonte de remorsos, mas como um desafio
vivo.
A humildade de um guerreiro não é a humildade de um mendigo. O guerreiro não curva a cabeça para ninguém, mas, ao mesmo tempo, não permite que ninguém curve a cabeça para ele. O mendigo, por sua vez, cai de joelhos por qualquer coisa e lambe o chão para qualquer um que considere seu superior; mas, ao mesmo tempo, exige que alguém suposta mente inferior lamba o chão para ele.
Alívio, refúgio, medo, todas essas palavras criaram estados de espírito que você aprendeu a aceitar sem jamais questionar seu valor.
Nossos semelhantes são da magia negra. E quem quer que esteja com eles também é da magia negra. Pense nisso. Você pode se desviar do caminho que seus semelhantes traçaram para você? E, se você permanecer com eles, seus pensamentos e suas ações são determinadas para sempre pelos termos deles. Isso é escravidão. Por outro lado, o guerreiro está livre de tudo isso. A liberdade custa caro, mas o preço pode ser pago. Assim, tema seus captores, seus senhores. Não desperdice seu tempo e seu poder temendo a liberdade.
O defeito das palavras é que elas nos fazem sentir esclarecidos, mas, quando nos viramos para enfrentar o mundo, elas sempre nos falham e acabamos por enfrentar o mundo como sempre fizemos, sem esclarecimento. Por esse motivo, um guerreiro procura agir mais do que falar, e para isso ele arranja uma nova descrição do mundo — uma nova descrição na qual falar não é tão importante e na qual atos
novos têm novas reflexões.
Um guerreiro já se considera morto, de maneira que ele não tem nada a perder. O pior já lhe aconteceu, portanto ele está lúcido e calmo; a julgar por seus atos ou por suas palavras, não se suspeitaria que ele tenha presenciado tudo.
O conhecimento é um assunto muito peculiar, especialmente para um guerreiro. O conhecimento, para um guerreiro, é algo que vem de repente, que envolve-o e continua adiante.
O conhecimento vem ao guerreiro flutuando, como pontos de pó dourado, o mesmo pó que cobre as asas das mariposas. Assim, para um guerreiro, o conhecimento é como tomar uma chuveirada, ou apanhar uma chuva de pontos de pó de ouro escuro.
Sempre que o diálogo interior pára, o mundo entra em colapso, e facetas extraordinárias de nós mesmos emergem, como se tivessem sido mantidas rigorosamente guardadas por nossas palavras.
O mundo é insondável. E nós também somos, assim como todos os seres que existem neste mundo.
Os guerreiros não conquistam suas vitórias batendo suas cabeças contra os muros, mas ultrapassando os muros. Os guerreiros saltam sobre os muros; eles não os derrubam.
Um guerreiro deve cultivar o sentimento de que ele tem tudo de que precisa para a viagem extravagante que é sua vida. O que conta para um guerreiro é estar vivo. A vida em si é suficiente, auto-explicativa e completa.
Portanto, pode-se dizer, sem presunção, que a experiência das experiências é estar vivo. O homem comum acha que se entregar a dúvidas e aflições é sinal de sensibilidade, de espiritualidade. A verdade, nesse assunto, é que o homem comum está o mais longe de ser sensível que se pode imaginar. Sua razão insignificante, deliberadamente, se apresenta como um monstro ou um santo, mas na verdade é muito pequena para ser o molde de um grande monstro ou o de um santo.
Ser um guerreiro não é uma simples questão de querer.
E mais uma luta interminável que continuará até o último momento de nossas vidas. Ninguém nasce um guerreiro, exatamente da mesma maneira que ninguém nasce um homem comum. Nós nos tornamos um ou outro.
Um guerreiro morre da maneira mais difícil. Sua morte deve lutar para levá-lo. Um guerreiro não se entrega à morte facilmente.
Os seres humanos não são objetos; não têm solidez.
São seres redondos, luminosos; são ilimitados. O mundo dos objetos e da solidez é somente uma descrição que foi criada para ajudá-los a tomar mais cômoda sua passagem sobre a terra.
A razão deles os faz esquecer que a descrição é apenas uma descrição e, antes que percebam, os seres humanos encerram a totalidade de si mesmos num círculo vicioso do qual eles raramente emergem durante sua vida.
Os seres humanos são percebedores, mas o mundo que percebem é uma ilusão: uma ilusão criada pela descrição que lhes foi ensinada desde o momento que nasceram. Assim, em essência, o mundo que a razão deles quer sustentar é o mundo criado por uma descrição e suas regras dogmáticas e invioláveis, que a razão deles aprende a aceitar e a defender.
A vantagem oculta dos seres luminosos é que eles têm algo que nunca é usado: intento. A manobra dos xamãs é a mesma do homem comum. Ambos têm uma descrição do mundo. O homem comum a sustenta com sua razão; o xamã a sustenta com seu intento. Ambas as descrições têm suas regras; mas a vantagem do xamã é que o intento é mais abrangente do que a razão.
Só como um guerreiro é possível suportar o caminho do conhecimento. Um guerreiro não pode se queixar nem se arrepender de nada. Sua vida é um desafio interminável, e os desafios não podem ser bons ou maus. Desafios são apenas desafios.
A diferença entre um homem comum e um guerreiro é que o guerreiro toma tudo como um desafio, enquanto o homem comum toma tudo como uma bênção ou uma maldição.
O trunfo do guerreiro é que ele acredita sem acreditar.
Mas, obviamente, um guerreiro não pode simplesmente dizer que acredita e deixar tudo por isso mesmo. Seria fácil demais.
Acreditar sem esforço apenas o desobrigaria de examinar sua situação. Um guerreiro, sempre que tem de se envolver em acreditar, faz isso como uma escolha. Um guerreiro não acredita, um guerreiro tem de acreditar. A morte é o ingrediente indispensável em ter de acreditar. Sem a consciência da morte, tudo é comum, trivial. E só porque a morte o espreita que o guerreiro tem de acreditar que o mundo é um mistério insondável. Ter de acreditar dessa maneira é a expressão da preferência mais íntima do guerreiro.
O poder sempre deixa um centímetro cúbico de chance disponível para o guerreiro. A arte do guerreiro é ser perenemente fluido para colhê-lo.
O homem comum é consciente de tudo apenas quando ele acha que deve ser; a condição do guerreiro, entretanto, é estar consciente de tudo o tempo todo.
A totalidade de cada um de nós é um assunto muito misterioso. Só precisamos de uma parte muito pequena dela para completar as tarefas mais complexas da vida. Contudo, quando morremos, morremos com a totalidade de nós mesmos.
Uma regra prática para um guerreiro é que ele toma suas decisões com tanto cuidado que nada que possa acontecer como resultado delas pode surpreendê-lo, e muito menos esgotar seu poder.
Quando um guerreiro decide agir, ele deve estar preparado para morrer. Se está preparado para morrer, não haverá tropeços, surpresas desagradáveis, nem atos desnecessários. Tudo deve se encaixar suavemente em seu lugar porque ele nada espera.
Um guerreiro, como um mestre, tem de primeiro ensinar sobre a possibilidade de agir sem acreditar, sem esperar recompensas — agir só por agir Seu sucesso como mestre depende da eficiência e da harmonia com que ele guia seus aprendizes nesse particular específico.
Para ajudar seu aprendiz a apagar a história pessoal, o guerreiro como mestre ensina três técnicas: perder a autoimportância, assumir a responsabilidade pelos próprios atos e usar a morte como conselheira. Sem o benefício dessas três técnicas, apagar a história pessoal o levaria a ser furtivo, evasivo e desnecessariamente dúbio sobre si mesmo e suas próprias ações.
Não há meio de nos livrarmos da autopiedade para sempre: ela tem um lugar e um caráter definidos em nossas vidas, uma fachada definitiva que é reconhecível Assim, cada vez que surge a ocasião, a autopiedade se torna ativa. Ela tem uma história. Mas se mudamos a fachada, mudamos seu lugar de proeminência.
Mudamos as fachadas alterando os elementos que a compõem. A autopiedade é útil porque faz com que a pessoa se sinta importante e merecedora de melhores condições, melhor tratamento — ou porque ela não quer assumir a responsabilidade pelos atos que a trouxeram para o estado que evocou a autopiedade.
Mudar a fachada da autopiedade significa apenas que a pessoa designou um lugar secundário para um elemento que era importante. A autopiedade ainda é uma característica proeminente; mas agora ela ocupa uma posição ao fundo, do mesmo modo que a idéia da morte iminente, a idéia da humildade do guerreiro ou a idéia da responsabilidade pelos próprios atos também já estiveram, para o guerreiro, numa posição ao fundo, sem nunca serem usadas até o momento em que ele se tornou um guerreiro.
Um guerreiro reconhece sua dor mas não se entrega a ela. O ânimo do guerreiro que entra no desconhecido não é de tristeza; ao contrário, ele é alegre, pois sente-se dominado por sua grande sorte, confiante porque seu espírito é impecável e, acima de tudo, totalmente consciente de sua eficiência. A alegria do guerreiro vem da aceitação de seu destino, e por ter avaliado corretamente o que está à sua frente.